Rapto, acidente mortal ou crime perfeito?

Nuno Miguel Maia


Provavelmente nenhum acontecimento ocorrido em Portugal terá tido tanta repercussão, e durante tanto tempo, no Mundo inteiro como o ainda misterioso desaparecimento de Madeleine McCann, a 3 de Maio, na Praia da Luz, Algarve. Ainda hoje, decorridos quase oito meses, é raro o dia em que não são publicadas notícias sobre o caso. Todavia, quase tudo continua por esclarecer. O que aconteceu naquela noite? A menina estará morta ou ainda sequestrada? Qual o real envolvimento dos pais? E, se está morta, onde se encontra o corpo?

A "invasão" dos meios de comunicação social britânicos - e por arrasto de quase todos os países - levou a que Portugal fosse notícia até no mais recôndito canto do Mundo. A monumental campanha mediática montada pelos pais , com o apoio objectivo do Governo britânico, ao mais alto nível, levou à indicação de centenas de pistas e avistamentos da criança, então com três anos, que se revelariam, afinal, falsas.

Mas o drama em torno do destino da menina com a marca no olho aumentou de sobremaneira quando, no final de Julho, princípio de Agosto, a investigação começou a apontar os pais, os médicos Kate e Gerry McCann, como possíveis suspeitos de uma morte provavelmente acidental. E porquê? Porque dois cães ingleses, de raça "springer spaniel", únicos no Mundo, detectaram vestígios de sangue e odor a cadáver no apartamento onde a família McCann passou férias. Os indícios assim conjugados levaram a crer que Maddie terá morrido no local de onde se dizia ter sido raptada - e o cadáver ocultado.


Entretanto, a onda de solidariedade para com o casal atingira proporções gigantescas. Foi constituído um fundo de milhões de euros para ajudar à busca de Madeleine e até o Papa tinha acolhido a família McCann numa visita. Mas, com os pais como suspeitos, estar-se-ia perante uma gigantesca burla?

A chave do mistério parecia estar nas amostras de fluídos biológicos e cabelos recolhidos também num carro alugado pelo casal e enviadas para Birmingham, Inglaterra, onde funciona um dos laboratórios tidos como mais sofisticados do Mundo. Só que os resultados não foram conclusivos, levantando a hipótese de os vestígios, afinal, pertencerem a familiares.

Ainda assim, logo que os primeiros exames foram conhecidos, Kate e Gerry foram interrogados e constituídos arguidos (suspeitos) pela Polícia Judiciária. O silêncio face a perguntas relativas a vestígios recolhidos pelos cães e investigadores levantou mais suspeitas sobre um casal que, desde o início, cuidara de uma relação extremamente profissional com os media - controlada por assessores de imprensa ligados ao Governo britânico.

Este facto, associado a contactos governamentais e ligações de Gerry ao primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, elevou também ao plano político um caso de enredo policial. Até o primeiro-ministro português, José Sócrates, admitiu ter sido o caso assunto de conversa com o homólogo Brown.

Em causa estava - e está - a imagem da própria Justiça portuguesa e da eficácia da investigação criminal. Até os investigadores, e as suas vidas extra-processo, passaram a ser escrutinados pelos média. O que terá contribuído para o afastamento de Gonçalo Amaral, um dos coordenadores da investigação, e substituição por Paulo Rebelo, um dos quadros de topo da PJ. Agora, a investigação volta a verificar todas as hipóteses de explicação sobre o que aconteceu naquela noite. Mas, até hoje, parece estar-se perante um crime perfeito.

(Portugal)