Um fiscal designado pela Infraero (empresa estatal que administra os aeroportos) para vistoriar a pista principal do aeroporto de Congonhas no dia do acidente com o Airbus-A320 da TAM, no último dia 17, em São Paulo, nem desceu do carro para fazer a inspeção.
De acordo com reportagem publicada na edição deste sábado da Folha de S.Paulo, o fiscal Agnaldo Molina Esteves fez três ziguezagues com o carro na pista e não visualizou nenhuma poça ou lâmina d'água. Seu relato fez a pista do aeroporto ser liberada minutos depois.
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As condições da pista são uma das linhas da investigação da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual, que apuram a responsabilidade criminal sobre o acidente. Pilotos reclamaram à torre que a pista estava escorregadia.
Acidente
O Airbus-A320 da TAM com 187 passageiros a bordo teria derrapado quando pousava no aeroporto de Congonhas, no dia 17, e bateu contra um depósito da empresa que fica do lado oposto da avenida Washington Luís. O choque provocou um incêndio de grandes proporções.
O número de vítimas do vôo 3054 identificadas pelo IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo chegou a 92. O acidente pode ter deixado cerca de 200 mortos.
TRAGÉDIA EM CONGONHAS/INVESTIGAÇÃO
Fiscal liberou pista sem sair do carro no dia do acidente
Funcionário fez 3 ziguezagues com veículo e disse não ter visto poças nem lâmina d'água
Ele não teve treinamento específico da Infraero para desempenhar essa tarefa, apenas orientações de colegas mais experientes
GILMAR PENTEADO
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Fez três ziguezagues com o carro na pista e, segundo ele, não visualizou nenhuma poça ou lâmina d'água. Seu relato fez a pista do aeroporto ser liberada minutos depois.
O fiscal também não teve nenhum treinamento específico da Infraero para desempenhar essa tarefa -apenas orientações de funcionários mais antigos. Ele foi designado para a função de responsável de turno (fiscal que faz as vistorias de pista) naquele dia porque um funcionário mais experiente estava de férias.
As condições da pista são uma das linhas da investigação da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual, que apuram a responsabilidade criminal sobre o acidente. Pilotos reclamaram à torre que a pista estava escorregadia.
O fiscal de pista Agnaldo Molina Esteves e o responsável pelo COE (Centro de Operações e Emergência) da Infraero, Esdras Barros, que pegou carona no carro usado na vistoria, foram ouvidos pela polícia na terça-feira. Eles isentaram a Infraero da responsabilidade sobre o acidente. Afirmaram que a inspeção foi visual e que não havia lâminas d'água.
À Folha, Agnaldo Esteves contou, no entanto, mais detalhes da inspeção. Disse que não saiu do carro. Mas que, mesmo assim, conseguiu ver que não havia poças nem lâminas d'água na pista -a medição, com uma régua, só é feita quando são identificadas lâminas, que não podem chegar a 3 mm.
Não é difícil
Segundo ele, esse é um procedimento de praxe que aprendeu com funcionários mais experientes. "Não tem treinamento específico porque não é difícil. Você acaba aprendendo com o tempo, com a experiência dos mais velhos", disse. Com ensino médio, Esteves está há quatro anos na Infraero.
Ele diz que a função de vistoriar a pista em dias de chuva é do "responsável de turno", um fiscal mais experiente. Conta que passou a exercê-la esporadicamente a partir da metade deste ano, por causa de férias de funcionários mais antigos. "Ficava [na função] quando faltava alguém ou alguém saía de férias."
Foi o que ocorreu no dia 17. Era a primeira vez que vistoriava a pista reformada, reaberta em 29 de junho.
O fiscal disse não se lembrar quantas vezes fez essa vistoria na pista antiga. "Não era muito freqüente."
No depoimento à polícia, o arquiteto e especialista em segurança Esdras Barros procurou diminuir sua participação. Ele pegava carona quando Esteves foi designado para a função. Disse que foi apenas o fiscal que analisou a pista e repassou a informação à torre.
Esteves, no entanto, dividiu a responsabilidade. "A análise foi feita pelos dois. Ele tem o conhecimento maior que o meu. Ele passou o que deveria falar."
Demonstrando nervosismo ao ser abordado pela reportagem, Barros, que está há 24 anos na Infraero, disse que não tinha nada para falar sobre a pista nem sobre a inspeção realizada no dia 17.
"Olhômetro"
De acordo com o promotor Mário Luiz Sarrubbo, o fiscal responsável pela verificação da pista no dia do acidente parece ter seguido os procedimentos de praxe. O problema é saber se o método é eficiente, conforme ele.
"Será que dá para ver tudo às 5h da tarde, com tempo de chuva?", questiona o promotor, ao se referir ao horário da vistoria. "Se o padrão [de inspeção] era este, temos de saber se é o adequado para essas ocasiões."
As normas para a vistoria geram dúvidas até mesmo entre especialistas e entidades de classe.
Segundo Carlos Camacho, diretor de segurança de vôo do Sindicato dos Aeronautas, a Infraero informou à entidade que as inspeções são realizadas por pessoas habilitadas, mas não detalhou a formação nem possíveis cursos de capacitação para a tarefa. "A Infraero pode ser responsabilizada criminalmente se não colocar alguém habilitado para essa função."
Para Célio Eugênio de Abril Júnior, assessor de segurança de vôo do mesmo sindicato, não há como fazer uma verificação eficiente das condições da pista na chuva desta forma. "Dentro do carro? No olhômetro? Não é assim que se faz medição."