Corregedora minimiza culpa da polícia no caso da jovem presa no PA
KÁTIA BRASIL
da Agência Folha, em Belém
(06/12/2007)
Responsável por investigar a atuação dos policiais que colocaram uma menina de 15 anos em uma cela com homens em Abaetetuba (PA), a delegada corregedora Liane Martins minimizou a culpa dos policiais no caso e jogou a responsabilidade para a própria garota.
"A todos os delegados ela se apresentava como maior de idade. Não acredito que eles estejam mentindo. São pessoas que têm formação", disse em entrevista à Folha.
A corregedora afirmou que os delegados foram "levados ao erro" pela adolescente --que foi abusada sexualmente durante os 26 dias em que permaneceu na cela da delegacia da cidade do Pará. Por isso, diz ela, não há motivos suficientes para a demissão dos policiais. "Eles têm responsabilidade, alguma negligência houve, mas não é o caso de demissão. Até o momento, não."
Disse que por várias vezes a menina provocava sexualmente os presos e insinuou, assim como o ex-delegado-geral da Polícia Civil do Pará, Raimundo Benassuly, que a garota tem algum problema psíquico.
"Ela podia ser submetida a uma avaliação por assistentes sociais, psicólogos, para saber porque fazia isso [falar aos policiais que tinha 19 anos]. Mas não posso dizer [que a garota tem problema]. O delegado-geral caiu por causa disso", afirmou a corregedora.
Há uma semana, Benassuly chamou a jovem de débil mental, durante audiência pública para discutir o caso no Senado. No dia seguinte, com a repercussão da declaração, teve de pedir demissão.
Sistema penal
Durante toda a entrevista, a corregedora defendeu os policiais. Diz que cabia ao sistema penal (Justiça e superintendência do sistema prisional) ter transferido a garota e que a jovem nunca relatou aos agentes prisionais as agressões sofridas. "Os policiais que eu já ouvi reforçam que ela estava sob a custódia do sistema penal. Os carcereiros também dizem que ela nunca relatou os fatos a eles."
Segundo Liane Martins, a garota disse que não recebeu visitas de familiares "porque os presos não permitiam que ela se aproximasse das grades". A delegada responsável pelo flagrante disse que notificou a família, que nega.
A corregedora já ouviu os depoimentos da garota, dos pais biológicos, dos cinco conselheiros tutelares, de quatro delegados, de dois escrivães, de agentes prisionais e investigadores e de 17 presos. A investigação da conduta dos envolvidos teve início no dia 22. São 30 dias até a conclusão da sindicância.
Para ela, até agora, a única dúvida no caso é saber o motivo de a menina ter mentido a idade. "A todos os delegados, ela se apresentava como maior. Só posso tirar a dúvida se a reinquirir, o que acho pouco provável, porque ela está no programa [de proteção federal]."
A entrevista foi concedida na corregedoria, em Belém. Ela contou à reportagem que outras quatro mulheres já haviam ficado na mesma cela, também com homens. E que os juízes de Abaetetuba sabiam disso, porque a superintendência da Polícia Civil enviou ofícios pedindo as transferências e não obteve resposta.
De acordo com o depoimento dos presos, disse a corregedora, apenas um abusou sexualmente da menina. "Os demais [atos sexuais] foram por livre e espontânea vontade da própria adolescente. Ela se deitava na rede dos presos novatos e mantinha relações com eles. Os 17 presos que estiveram na delegacia dizem a mesma coisa."
A corregedora afirmou ainda que nenhum dos presos ajudou a garota porque "no cárcere é cada um por si e ninguém se mete na vida de ninguém". "Um dos presos confirma que ela gritou e pediu ajuda, mas que não podia se meter, pois ali dentro existe a lei do silêncio", disse Liane Martins.
Ela não soube responder ao fato de os cabelos da menina terem sido cortados a facão por policiais. A garota disse que poderia até reconhecê-los. "Os policiais não confirmam isso."
Mexia com os presos
Segundo a delegada, a garota chegou a fazer sexo com um dos presos por comida. Disse, no entanto, que, segundo os depoimentos dos detentos, ela se insinuava para eles. "Quando ela saía para tomar banho, mexia com os presos, saía andando se exibindo nua. Os presos ficavam irritados com ela e a mandavam vestir uma roupa. Ela não criava jeito."
Em viagem, a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), não foi localizada pela reportagem para comentar as declarações da corregedora.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u352251.shtml