Crise? A música vai muito bem
Data: 13/01/2008
Como é bom ser artista nos dias de hoje. Em um laptop, há mais tecnologia do que os Beatles jamais acessaram. A distância sonora entre um grande estúdio de gravação e uma estrutura caseira é cada vez menor. Produzir música ficou muito mais barato, acessível, democrático. E com a internet, é possível divulgar, distribuir e comercializar sua obra. Nunca a música chegou a tantos lugares e pessoas de maneiras tão diversas, em todo planeta. E ela não pára de crescer: via web, cabo, satélites, peer to peer, shows, licenciamento de faixas, sonorização de hotéis, restaurantes, desfiles de moda, aviões, navios, videogames, ringtones, produção de programas de rádio, TV, cinema, camisetas, mochilas, tocadores de MP3, pen-drives etc. etc. etc.... A música vai muito bem.
E essa crise nas vendas de CD que tanto ouvimos falar? É uma ficção? Bem, se levarmos em consideração que, desde 2004, o CD mais vendido do mundo é virgem e gravável, podemos concluir que existiu uma crise séria, porém, localizada especificamente nos CDs e DVDs gravados. Ponto final. Foi uma página que a sociedade virou. Aliás, o simples fato de a discussão ter chegado aos ouvidos do público é uma derrota em si. É como ir ao teatro e, no meio da apresentação, os músicos, técnicos e empresários começarem uma briga no palco, acabando com a música.
O público não é responsável pelo fato de as gravadoras acharem que vendem plástico, quando seu negócio seria vender música. Ninguém tem culpa de as ‘majors’ serem os atores principais do que costumo chamar de “comida de bola do milênio”. Além de não terem criado o MP3 ou o iPod, processam e atacam as inovações como uma “Inquisição digital”. Se trabalhassem com iluminação, processariam Thomas Edison por ter inventado a lâmpada. Vivemos um período em que a procura por novos modelos para o negócio de música é intensa. Ano passado, criamos um formato chamado Download Trama, no qual a música é de graça para o público e remunerada para o artista, patrocinado por uma marca. Televisão aberta, por exemplo, usa essa mecânica há mais de 50 anos com muito sucesso. Nunca paguei para ver uma novela da Globo e isso não impediu a emissora de crescer, remunerar, formar profissionais e desenvolver uma cultura brasileira de televisão. Trabalho para ter o mesmo cenário no campo da música. Isso possibilitaria a formação de mais artistas, estúdios de gravação, casas de shows, sites, escolas de música e, conseqüentemente, mais público. Iríamos para outro patamar, correndo o sério risco de dar certo.
A idéia de uma marca ou instituição patrocinar determinada obra artística, torná-la pública e tê-la como meio de comunicação é clássica e muito eficiente. Quem possibilitou Bach foi a Igreja; o jazz foi apresentado via rádio à América por uma marca de biscoitos; o formato novela surgiu para solucionar a campanha de um sabão em pó. Funciona muito bem, há muito tempo. Ainda, seguindo a mecânica “de graça para você, remunerado para o artista”, criamos o Álbum Virtual. Desde 1949, quando foi lançado o long-play, o disco passou a ser o “longa-metragem” dos artistas de música, um suporte no qual cabe o show inteiro - enquanto baixar uma faixa individual corresponde, de certa forma, ao “curta-metragem” ou single. No Álbum Virtual, há o roteiro (ordem das músicas), a direção de arte da capa, as fotos, a ficha técnica, alguns extras (que variam de acordo com o artista) e as músicas com boa qualidade de resolução. Tudo pode ser baixado e copiado livremente. A possibilidade de ouvir música dissociada da performance ao vivo é algo recente na nossa história e, quando surgiu, como toda novidade, causou reações diversas. Hoje, há um consenso sobre o fato de o lançamento do disco ajudar as vendas dos shows, mas, no início do processo, alguns músicos de jazz não quiseram gravar. Temiam perder o emprego, afinal, entre pagar uma entrada e ouvir as músicas uma vez ou comprar o disco e ouvir quantas vezes quiser, as platéias escolheriam a segunda opção, levando-os à bancarrota. Mais adiante, quando as transmissões de rádio começaram a crescer em qualidade e alcance previram o fim dos discos, dos shows e tudo mais. Nada disso aconteceu. Só houve evolução. Após a revolução digital ter chegado à música, os artistas produzem e publicam suas obras sem precisar do aval de ninguém; o público serve-se, experimenta, compra quando quer, no formato preferido.
A música, um valor humano eterno, não pára de crescer. É só uma questão de achar o modelo adequado ao seu ofício.
João Marcello Bôscoli é músico, produtor e presidente da Trama
E essa crise nas vendas de CD que tanto ouvimos falar? É uma ficção? Bem, se levarmos em consideração que, desde 2004, o CD mais vendido do mundo é virgem e gravável, podemos concluir que existiu uma crise séria, porém, localizada especificamente nos CDs e DVDs gravados. Ponto final. Foi uma página que a sociedade virou. Aliás, o simples fato de a discussão ter chegado aos ouvidos do público é uma derrota em si. É como ir ao teatro e, no meio da apresentação, os músicos, técnicos e empresários começarem uma briga no palco, acabando com a música.
O público não é responsável pelo fato de as gravadoras acharem que vendem plástico, quando seu negócio seria vender música. Ninguém tem culpa de as ‘majors’ serem os atores principais do que costumo chamar de “comida de bola do milênio”. Além de não terem criado o MP3 ou o iPod, processam e atacam as inovações como uma “Inquisição digital”. Se trabalhassem com iluminação, processariam Thomas Edison por ter inventado a lâmpada. Vivemos um período em que a procura por novos modelos para o negócio de música é intensa. Ano passado, criamos um formato chamado Download Trama, no qual a música é de graça para o público e remunerada para o artista, patrocinado por uma marca. Televisão aberta, por exemplo, usa essa mecânica há mais de 50 anos com muito sucesso. Nunca paguei para ver uma novela da Globo e isso não impediu a emissora de crescer, remunerar, formar profissionais e desenvolver uma cultura brasileira de televisão. Trabalho para ter o mesmo cenário no campo da música. Isso possibilitaria a formação de mais artistas, estúdios de gravação, casas de shows, sites, escolas de música e, conseqüentemente, mais público. Iríamos para outro patamar, correndo o sério risco de dar certo.
A idéia de uma marca ou instituição patrocinar determinada obra artística, torná-la pública e tê-la como meio de comunicação é clássica e muito eficiente. Quem possibilitou Bach foi a Igreja; o jazz foi apresentado via rádio à América por uma marca de biscoitos; o formato novela surgiu para solucionar a campanha de um sabão em pó. Funciona muito bem, há muito tempo. Ainda, seguindo a mecânica “de graça para você, remunerado para o artista”, criamos o Álbum Virtual. Desde 1949, quando foi lançado o long-play, o disco passou a ser o “longa-metragem” dos artistas de música, um suporte no qual cabe o show inteiro - enquanto baixar uma faixa individual corresponde, de certa forma, ao “curta-metragem” ou single. No Álbum Virtual, há o roteiro (ordem das músicas), a direção de arte da capa, as fotos, a ficha técnica, alguns extras (que variam de acordo com o artista) e as músicas com boa qualidade de resolução. Tudo pode ser baixado e copiado livremente. A possibilidade de ouvir música dissociada da performance ao vivo é algo recente na nossa história e, quando surgiu, como toda novidade, causou reações diversas. Hoje, há um consenso sobre o fato de o lançamento do disco ajudar as vendas dos shows, mas, no início do processo, alguns músicos de jazz não quiseram gravar. Temiam perder o emprego, afinal, entre pagar uma entrada e ouvir as músicas uma vez ou comprar o disco e ouvir quantas vezes quiser, as platéias escolheriam a segunda opção, levando-os à bancarrota. Mais adiante, quando as transmissões de rádio começaram a crescer em qualidade e alcance previram o fim dos discos, dos shows e tudo mais. Nada disso aconteceu. Só houve evolução. Após a revolução digital ter chegado à música, os artistas produzem e publicam suas obras sem precisar do aval de ninguém; o público serve-se, experimenta, compra quando quer, no formato preferido.
A música, um valor humano eterno, não pára de crescer. É só uma questão de achar o modelo adequado ao seu ofício.
João Marcello Bôscoli é músico, produtor e presidente da Trama
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