Vale perde briga com o Cade e é multada em R$ 33,6 milhões

Mineradora vinha usando liminares para descumprir decisão tomada em dezembro de 2005

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) multou ontem a Vale em R$ 33,57 milhões por descumprir uma decisão, tomada em dezembro de 2005, que obrigava a empresa a optar entre vender a mineradora Ferteco ou abrir mão do direito de preferência na compra de minério de ferro excedente produzido na mina Casa de Pedra, de propriedade da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

Essa foi a principal condição imposta pelo órgão antitruste para aprovar a aquisição de sete pequenas mineradoras, em agosto daquele ano. A Vale vinha conseguindo descumprir a decisão mediante uma série de ações judiciais. Mas na noite de segunda-feira o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Raphael de Barros Monteiro, cassou a última liminar que permitia à mineradora evitar o cumprimento da sentença do Cade.

Diante da manifestação do STJ, o Cade agiu rápido. O procurador-geral do órgão, Arthur Badin, informou ter inscrito o débito da mineradora na dívida ativa da União e deu prazo de cinco dias para a Vale pagar a multa. "Se não pagar, será executada judicialmente", afirmou Badin, ameaçando ainda a mineradora de ser inscrita no banco de dados de inadimplentes do setor público. Esse é a quinta maior multa já aplicada pelo conselho, considerando apenas as que já foram inscritas em dívida ativa (em cobrança judicial).

O valor milionário foi calculado com base nos 631 dias - de 12 de dezembro de 2005, data da determinação do Cade, até ontem - que, na interpretação da procuradoria, é o tempo de descumprimento da decisão com a estratégia da Vale de obter liminares judiciais. A multa diária era de R$ 53 mil. Ao longo de dois anos de disputa judicial, foram seis liminares. "A empresa aceitou esse risco (de ser cobrada retroativamente) ao buscar liminares que, por definição, têm caráter temporário", disse o procurador. Em nota, a Vale informou no final da tarde de ontem que não havia sido comunicada da multa aplicada pelo Cade, mas que, se a punição fosse confirmada, iria recorrer à Justiça (ver abaixo).

OBJETIVO

Badin lembrou que o objetivo do Cade, ao exigir que a Vale optasse pela Ferteco ou pelo minério de Casa de Pedra para aprovar os negócios da mineradora, foi viabilizar um competidor no mercado de minério de ferro brasileiro, evitando a consolidação de um monopólio no setor nas mãos da Vale. O procurador disse que ainda estuda a aplicação de uma segunda multa à Vale, em valor aproximado de R$ 30 milhões, caso fique comprovado que, nesse período de descumprimento da decisão, a mineradora exerceu o direito de preferência na aquisição do minério da Casa de Pedra.

O presidente substituto do Cade, conselheiro Ricardo Cueva, encaminhou ontem intimações à Vale e à CSN proibindo as duas empresas de voltarem a negociar o exercício do direito de preferência da Vale na mina Casa de Pedra. Para o Cade, um ofício enviado no dia 4 de setembro pela diretoria da Vale ao conselho e a investidores afirmando que estaria disposta a abrir mão do direito de preferência no final dos processos judiciais significa que já houve uma escolha - ou seja, a Vale já definiu que prefere ficar com a mineradora Ferteco.

Segundo a procuradoria do Cade, a decisão do presidente do STJ impede também a concessão de outras liminares futuras à Vale em qualquer instância judicial. "A estratégia de pulverizar ações está bloqueada", comentou Badin. No entanto, ainda cabe recurso da decisão do presidente à Corte Especial do STJ.

O presidente do STJ cassou uma liminar que havia sido concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no âmbito de uma ação da Vale contra o Cade em que a mineradora pedia a garantia de uma indenização prévia da CSN para abrir mão da preferência na mina Casa de Pedra.

O ministro ressaltou em seu despacho que o não cumprimento da decisão do Cade, com base em sucessivas liminares, "constitui ofensa à ordem pública administrativa". Em uma segunda ação, que foi derrubada no mérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 18 de dezembro, a Vale questionava a validade do voto duplo dado pela presidente do Cade, Elizabeth Farina, para desempatar o processo no qual foi exigida da Vale a escolha entre um dos dois ativos.

CRONOLOGIA

01/2001
Descruzamento

Depois de meses de discussão, as direções da Vale e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)
fecham acordo para o descruzamento das participações. Criava-se ali o direito de preferência na compra de minério pela Vale

07/2001
Agnelli assume

Roger Agnelli assumiu a Vale no lugar de Jório Dauster. Ligado ao Bradesco, Agnelli era do conselho de administração da Vale

03/2005
Direito exercido

Vale exerce pela primeira vez o direito de preferência sobre a venda de minério de ferro da Casa de Pedra. Com isso, consegue barrar uma negociação entre a CSN e uma empresa japonesa

04/2005
Concentração

A Procuradoria do Cade apresenta parecer sobre concentração de mercado por parte da Vale

07/2005
Processo retomado

Cade se prepara para retomar o julgamento dos processos de concentração contra a Vale. CSN e Vale trocam acusações na imprensa

08/2005
Decisão do Cade

Em julgamento, o Cade determina que a Vale seja obrigada a vender a Ferteco ou a
abrir mão do direito preferencial de compra de ferro da mina Casa de Pedra

08/2005
Disputa
Com base na decisão do Cade, a Vale inicia uma batalha judicial em que contesta o voto duplo da presidente do Cade. Com liminares, consegue adiar o cumprimento da decisão por dois anos

12/2007
STF recusa
Em decisão da 1ª Turma, o STF nega o recurso da Vale contra o voto duplo da presidente do Cade. Empresa pede indenização para cumprir decisão
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