Dado errado do Inpe gera polêmica

Alta do desmate em agosto e setembro foi corrigida; mesmo assim, abriu disputa entre ambientalistas e autoridades
Herton Escobar

Toda a polêmica sobre os dados do desmatamento na Amazônia remete a um relatório divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em 18 de outubro. Nele, o instituto alertava para um crescimento acelerado da devastação da floresta entre os meses de junho e setembro de 2007, em comparação ao mesmo período de 2006. A notícia correu o mundo. Após três anos de queda no desmatamento, tudo indicava que a máquina de moer floresta voltara a funcionar a todo vapor.

Os números mostravam um aumento de quase 8% no desmatamento da Amazônia, incluindo um crescimento explosivo de 600% em Rondônia. Ambientalistas imediatamente interpretaram os dados como prova da incapacidade do governo de controlar o desmate com o reaquecimento dos mercados de carne e soja, que andavam em baixa nos anos anteriores.

Na semana passada, descobriu-se que esses dados estavam errados. Na verdade, pode ter o ocorrido o inverso: em agosto e setembro, pelo menos, o desmatamento foi menor do que em 2006, segundo os dados disponíveis. O erro foi detectado pelo Estado e confirmado pelo diretor do Inpe, Gilberto Câmara.

Na semana retrasada, o Inpe divulgou em Brasília, com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), novos números do desmatamento, referentes ao período de agosto a dezembro. Os dados são todos do sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que utiliza imagens de satélite para monitorar diariamente as frentes de ocupação da floresta.

Os novos dados mostraram, mais uma vez, uma aceleração do desmatamento - só que, desta vez, nos meses de novembro e dezembro, o que foi inesperado, já que nestes meses a chuva costuma empurrar os índices para baixo, e não para cima. Foi um ano bem mais seco que o normal.

O Inpe reconhece o erro anterior e garante que os números, agora, estão corretos. O instituto, porém, não divulgou os dados do Deter para os mesmos cinco meses de 2006, o que não permite calcular se o desmatamento acumulado no período também foi maior do que no ano anterior. A não ser por essa anomalia de novembro e dezembro, é possível que os índices de 2007 fiquem abaixo dos de 2006 - o que não diminui a necessidade de políticas de conservação.

Ambientalistas, em coro com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, culparam novamente o agronegócio e o mercado de commodities pela destruição - uma relação já confirmada por vários estudos e óbvia na verificação de campo. O MMA publicou uma lista dos 36 municípios que mais desmataram, sobre os quais incidirá uma série de sanções e embargos com o intuito de coibir a derrubada da floresta. Os números específicos de área desmatada para cada município, porém, não foram divulgados.

Governadores e prefeitos das áreas embargadas não ficaram satisfeitos. Pressionados, aproveitaram o erro do Inpe no relatório anterior para apontar o dedo na direção oposta e lançar dúvidas sobre a acurácia de todo o sistema. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comprou a briga, chamando as notícias do desmatamento de “alarde” e cobrando uma investigação dos dados.

O Estado solicitou ao Inpe os dados completos do Deter para todos os meses de 2007 e 2006, mas as informações ainda não foram divulgadas.

TERMÔMETRO

Para entender a situação, o especialista Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, do Ministério da Agricultura, faz uma analogia na qual a Amazônia é uma paciente e o desmatamento, uma febre. “Que a Amazônia está doente, não há dúvida”, diz. “A dúvida é se o termômetro está medindo a temperatura certa.”

O Deter, como diz um aviso em letras maiúsculas no site do Inpe, “não foi concebido para cálculo de área”. O sistema foi projetado como uma ferramenta de fiscalização, para detectar grandes desmatamentos e orientar o trabalho de campo do Ibama em tempo real. É um sistema rápido, mas de baixa resolução, que só enxerga desmatamentos acima de 25 hectares. Diferentemente do programa Prodes, de alta resolução, porém lento, que é utilizado para calcular as taxas anuais de desmatamento.

Em mais uma analogia, o Prodes pode ser pensado como um investigador que entra em cena depois do crime; enquanto o Deter funciona como uma câmera de vigilância, que filma o bandido arrombando a porta e avisa a polícia para que ela tente chegar antes de os criminosos fugirem. O sistema é, sem dúvida, um dos responsáveis pela queda no desmatamento desde que entrou em operação, em 2004.

Mesmo em baixa resolução, o Deter produz estimativas de área, que podem apontar tendências na evolução do desmatamento mês a mês e ano a ano - como foi o caso agora. Uma vez que essas estimativas passaram a ser usadas como base para políticas de repressão, porém, é natural que governadores, prefeitos e produtores cobrem transparência total nos dados. Eles são acusados de genocídio florestal, e querem uma contagem correta das áreas - o que, por outro lado, não os eximiria de culpa pelos crimes cometidos. A maior parte do desmatamento é ilegal.

Só a divulgação completa dos dados pelo Inpe poderá esclarecer a situação.

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