Collor dará hoje sua versão para a História

Há exatos 17 anos, numa manhã de 15 de março, o Brasil inaugurava um breve período de exercício imperial do poder em plena vigência das liberdades democráticas. Ao tomar posse na Presidência da República, em 1990, Fernando Collor de Mello, primeiro presidente civil eleito pelo voto popular depois da ditadura militar instalada com o golpe de 1964, estreava no poder com uma voracidade capaz de tirar o fôlego: decretou o seqüestro de todos os saldos bancários, de cadernetas de poupança ou de aplicações financeiras que superassem 50 mil cruzeiros, a moeda brasileira da época — esse montante não ultrapassaria os atuais R$ 1.000,00.

Controvertida, a medida era destinada a garrotear a inflação e foi bem-sucedida nesse aspecto. Incendiou, porém, a sociedade civil, a mídia e os meios jurídicos. Eleito sob o fascínio da direita e tendo deprimido a esquerda ao derrotar Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, o primeiro ato da gestão de Fernando Collor deixou os aliados perplexos e a oposição desnorteada. Ocupando uma assessoria econômica da bancada do PT na Câmara, o agora senador Aloizio Mercadante (PT-SP) elogiou o confisco de contas bancárias que era criticado pelo dono do Banco Itaú, Olavo Setúbal.

Hoje, a partir das 15h, quando estreará na tribuna do Senado (é o terceiro orador inscrito), senador eleito por Alagoas, Fernando Collor de Mello pretende passar a limpo os bons e os maus momentos daquele feérico início da década de 1990. “Ele fará um pronunciamento longo, factual, preciso, detalhado, duro e histórico”, diz uma amiga que trocou com ele algumas poucas idéias sobre o discurso. O ex-presidente lembrará seus 24 meses de poder imperial como causa do processo de impeachment que o apearia da Presidência em 29 de setembro de 1992, quando foi notificado pela Câmara dos Deputados da autorização para a instalação de um processo de cassação de seu mandato.

Os primeiros 12 meses do governo Collor transcorreram em velocidade supersônica. Ele havia sido eleito com 39 anos, tinha disposição de atleta e conseguiu dobrar o Congresso Nacional para que aprovasse as medidas provisórias que davam ares de legalidade ao confisco econômico. O Produto Interno Bruto brasileiro encolheu 12% entre 1990 e 1991 e as conseqüências do voluntarismo da primeira equipe ministerial “collorida” deixaram marcas e mágoas profundas no “establishment” político de então.
O ex-presidente dirá hoje, com todas as letras, que sua queda foi conseqüência de suas idéias e da forma como exerceu o poder. Depois de ser consagrado nas urnas, no dia 2 de outubro do ano passado, Collor anunciou que pretendia fazer o pronunciamento de hoje e que defenderia o confisco como “a mais importante reforma que este país já fez”. Em maio de 1992, Pedro Collor, irmão caçula do então presidente, tornou públicas as pesadas acusações que fazia nos bastidores à relação do presidente com o empresário Paulo César Farias. Conhecido como “PC”, Paulo César havia sido o tesoureiro da campanha de Fernando Collor em 1989 e seguia promovendo aventuras financeiras durante o mandato do amigo.
A entrevista de Pedro Collor originou uma CPI mista no Congresso. Em três meses e seguindo as pistas concedidas por Eriberto França, um motorista que servia à Presidência, a “CPI do PC” chegou a evidências de provas que levaram a Câmara dos Deputados a autorizar a abertura do processo de impeachment presidencial e o Senado, a cassá-lo. Anos depois o Supremo Tribunal Federal absolveu Collor dos crimes de responsabilidade e de quebra do decoro no exercício do cargo dos quais era acusado. Embalado por lembranças e contradições, Fernando Collor pretende dar hoje a sua versão definitiva para aqueles dias em que a História passou por ele.
Fonte: Correio Web