Morre em São Paulo a atriz e comediante Nair Bello
Atriz, de 75 anos, ficou internada por 157 dias, após sofrer parada cardíaca
Luiz Carlos Merten
Nair Bello (1931-2007)
SÃO PAULO - A atriz Nair Bello, de 75 anos, que estava internada por 157 dias, após sofrer uma parada cardíaca na manhã do dia 11 de novembro em um cabeleireiro de Higienópolis, morreu nesta terça-feira, 17, no Hospital Sírio-Libanês. Seu corpo seguirá para o velório na Assembléia Legislativa, mas a família ainda não informou o local e horário do enterro.
Como Roberto Carlos, ela não usava marrom, de jeito nenhum. Nair Bello era supersticiosa, mas, acima de tudo, como gostava de se definir, era perua. Quando fez a Gema de Perigosas Peruas e, depois, a Cininha de A Viagem, duas novelas muito populares, ela emprestou vários pertences pessoais à produção, para criar as personagens.
Nair adorava roupas coloridas, unhas pintadas de vermelho sangue, batom (vermelhão), cílios postiços, brincos grandes. Tudo isso, e mais outros itens, compõem os dez mandamentos da perua, que ela afirmava seguir, religiosamente. O mundo desde hoje ficou um pouco menos colorido.
No sábado, 11 de novembro, ela teve uma parada cardíaca no salão de cabeleireiro. Levada para o hospital, teve mais duas paradas cardíacas. Para o público, Nair Bello foi, acima de tudo, comediante, exercitando seus dotes na televisão mais do que no teatro e no cinema (que fez pouquíssimo). Começou no rádio, na Record, há 57 anos.
Essa primeira fase durou pouco, pois Nair se casou e afastou-se por três anos, já que teve, em seqüência, três filhos. Não dava, num primeiro momento, para conciliar a maternidade com o trabalho. Em 1956, voltou à ativa, mas em vez da rádio, foi para a TV Record, onde, em 1959, Blota Jr., percebendo seu potencial cômico, convidou-a para fazer um humorístico. Nair criou uma italiana, a Santinha, ao lado de Roberto Corte Real, que fazia Epitáfio, e o programa Show Ideal foi um sucesso.
Desde então, nunca mais parou de fazer rir. Paulista do Cambuci, Nair Bello Sousa Francisco nasceu no dia 28 de abril de 1931, signo de Touro. Cresceu em meio a uma grande concentração de italianos, que são maioria no bairro. Ela própria, era neta de italianos. Terminou rotulada. Numa entrevista, disse certa vez - “Se tem italiana na trama, eles não pensam duas vezes. Chamam a Nair.”
Referência nas novelas de Carlo Lombardi
Antes de virar referência nas novelas de Carlo Lombardi, autor que sempre a admirou, ela fez muitas séries e minisséries. Em 1978, fez João Brasileiro, de Geraldo Vietri, na Tupi; em 1980, Dona Santa, na Bandeirantes. Sua motorista de táxi fez história na TV. Seguiu-se Casa de Irene, ainda na Band. Nair Bello só foi fazer novela na Globo. A primeira, em 1980, foi de Geraldo Vietri, uma adaptação do romance Olhai os Lírios do Campo, do escritor gaúcho Erico Verissimo. Fez, na seqüência, Perigosas Peruas, de Carlos Lombardi; o Mapa da Mina, de Cassiano Gabus Mendes.
A partir daí, não parou mais, intercalando novelas, e programas humorísticos. Foi a Dona Zorra (Leona Lake) de Bang Bang. Recentemente, era contratada da Globo, de volta à Santinha do começo de sua carreira em Zorra Total. (Deveria integrar o elenco da nova novela das sete da Globo, Pé na Jaca, de Carlos Lombardi, interpretando Dona Gioconda, mas na festa de lançamento da novela o diretor Ricardo Waddington anunciou o nome de sua substituta: Arlete Salles).
Cabe lembrar que foi Carlos Manga, em 1962, que a levou para o Rio, onde estreou no quadro O Riso É o Limite, no programa de J. Silvestre. Em 1975, perdeu um filho e quase pirou. A família e os amigos a incentivaram a trabalhar. Fez uma peça - Alegro Desbum, de Oduvaldo Viana Filho. Embora sua figura estivesse sempre associada a humor, Nair achava difícil fazer comédia na TV.
No começo da carreira, era fácil, mas quando ela foi para a Globo e os programas, incluindo as novelas, passaram a ser gravados com antecedência, ela passou a achar que estava perdendo a espontaneidade e a autenticidade. O bom, no tempo dos programas ao vivo, era que não se podia errar e, se errava, tinha de consertar rapidinho, disse numa entrevista.
Adorava a prosa de Hebe
Adorava dois dedos de prosa com a ‘comadre’ Hebe Camargo, do SBT. Tinham o projeto de uma peça juntas, que nunca fizeram. As americanas Lucille Ball e Shirley MacLaine a impulsionaram a virar artista e a se tornar comediante, mas ela também tinha suas preferências nacionais - Dercy Gonçalves era hors concours, a mãe do riso, mas Nair Bello dizia que Consuelo Leandro, Marília Pêra e Fernanda Montenegro faziam rir como ninguém. Entre os homens, admirava Roberto Corte Real, Ronald Golias e o patrão Chico Anísio, na Zorra Total.
Com sua morte, é toda uma fase do humor que chega ao fim na TV. Um humor mais tradicional que ainda sobrevive no Zorra, mas que foi sendo substituído por outro estilo - o de Casseta e Planeta, por exemplo.
Assim como a peça nunca concretizada com Hebe, Nair Bello tinha o projeto de um filme, que também nunca saiu, contando sua história. O cinema foi sempre esporádico em sua carreira, mas em 1951, dois anos depois da estréia no rádio, ela fez um papel em Liana, a Pecadora, melodrama de Paulo Tibiriçá interpretado por Márcia Real, no qual não apenas Nair, mas também Hebe Camargo fazia um pequeno papel. Entre outros filmes, participou de Simão, o Caolho, de Alberto Cavalcanti, em 1952, e Fogo e Paixão, de Isay Weinfeld e Márcio Kogan, em 88.
E não se pode esquecer de seu papel em Das Tripas Coração, de Ana Carolina, de 1982, filme do meio da delirante trilogia da autora sobre a condição da mulher na sociedade brasileira (e no mundo).
Mesmo quando se assumia como perua, Nair disparava - “Gosto de rir alto, de dizer palavrão. Sou alegre e extrovertida. Dizer que sou perua por causa disso é um preconceito da sociedade, que quer as mulheres muito comportadas e isso eu não sou.” A mulher que seguia os mandamentos da peruagem, que abusava dos anéis grandes mas evitava os colares, nunca se sentiu uma árvore-de-natal. “Acho as coisas que uso muito femininas”, dizia.