O juiz estadual Alessandro Leite Pereira, de Bataguaçu (MS), condenou Carlos Alberto Lima, fiel da Igreja Universal do Reino de Deus, ao pagamento de multa, custas judiciais, despesas e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 800, por agir de má fé em ação que pedia indenização contra uma reportagem publicada no dia 15 de dezembro pelo jornal Folha de São Paulo.
"A postura adotada pelo autor [...] demonstra a existência de inquestionável má-fé, pois deturpa o conteúdo da reportagem para, inserindo-se individualmente nela, buscar indevidamente o recebimento de valor indenizatório", escreveu o juiz em decisão anunciada anteontem (24).
Lima e outros fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus moveram ações simultâneas alegando terem se sentido ofendidos pela reportagem "Universal chega aos 30 anos com império empresarial", da repórter Elvira Lobato, em que relata o crescimento financeiro da instituição, transformando-se em um conglomerado empresarial.
Para os fiéis, a reportagem teria insinuado que os membros da Igreja Universal são inidôneos e que o dízimo pago por eles é produto de crime. Na ação eles argumentaram, ainda, que ouviram gozações de conhecidos.
"Se o autor está sendo vítima de chacotas de terceiras pessoas (...), é contra estas pessoas que o demandante deve direcionar a demanda", escreveu o juiz. Segundo ele, Lima não tem legitimidade por não ter sido citado na reportagem. Ainda cabe recurso à decisão. Leia abaixo a íntegra da matéria da jornalista Elvira Lobato:
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Em 30 anos de existência, completados em julho, a Igreja Universal do Reino de Deus construiu não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado empresarial em torno dela. Além das 23 emissoras de TV e 40 de rádio, o levantamento da Folha identificou 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos.
Entre elas, dois jornais diários -"Hoje em Dia", de Belo Horizonte, e "Correio do Povo", de Porto Alegre- , as gráficas Ediminas e Universal, quatro empresas de participações (que são acionistas de outras empresas), uma agência de turismo, uma imobiliária, uma empresa de seguro saúde.
A Iurd tem também sua própria empresa de táxi aéreo, a Alliance Jet, de Sorocaba (SP). Segundo informação da empresa, fatura cerca de R$ 500 mil mensais, tem três aviões, um deles adquirido por US$ 28 milhões, neste ano.
Segundo a Junta Comercial de São Paulo, ela pertence a Adilson Higino da Silva, bispo auxiliar de São Paulo, e à MJC Empreendimentos e Participações, a qual, por sua vez, pertence aos bispos Darlan de Ávila, Marco Antônio Pereira e ao mesmo Adilson.
Modelo acionário
O modelo acionário da Alliance Jet se repete em quase todas as empresas ligadas à Universal. Os jornais diários foram adquiridos na negociação de compra de TVs. O ""Correio do Povo"" -segundo jornal em circulação do Rio Grande do Sul, com um média diária de 155 mil exemplares- fez parte do pacote que incluiu a TV Guaíba e duas rádios.
O negócio foi fechado no último carnaval, por cerca de R$ 100 milhões. O jornal foi comprado em nome da TV Record de São Paulo e do Rio.
São acionistas da Ediminas , que edita o jornal mineiro ""Hoje em Dia", o bispo Marcelo Silva e o ex-deputado federal e ex-bispo Carlos Rodrigues. Segundo a Folha apurou, a editora recebe R$ 0,25 por exemplar para imprimir o jornal semanal da igreja, o ""Folha Universal", que tem tiragem de 2 milhões de exemplares.
A relação entre a Igreja Universal e as empresas dos bispos é obscura. Muitas delas têm sede em endereços da Iurd. Um exemplo é a Cremo Empreendimentos, que funciona como um braço financeiro da igreja. Ela pertence à Unimetro (outra empresa da Iurd) e ao bispo João Leite. A Cremo é quem financia os bispos na compra de empresas.
Por trás da Unimetro está a Cableinvest, registrada no paraíso fiscal de Jersey, no Canal da Mancha. O elo aparece nos registros da empresa na Junta Comercial de São Paulo. Uma hipótese é que os dízimos dos fieis sejam esquentados em paraísos fiscais.
Troca-troca
Quando um bispo entra em atrito com a igreja, ou se envolve em escândalos -caso de parlamentares-, rapidamente, as ações mudam de mãos.
Foi o que aconteceu com o ex-bispo e ex-deputado federal Wanderval Santos (que pertencia ao PL de São Paulo), denunciado pelo Ministério Público por envolvimento com a máfia das sanguessugas. Depois que o escândalo veio à tona, ele deixou a igreja e vendeu as ações que possuía na Rádio Liberdade (de João Pessoa, Paraíba) e na Rádio Continental (de Florianópolis, Santa Catarina).
Como a maioria dos que perdem o posto, Wanderval não fala sobre o assunto, e protege a imagem da igreja. "Os homens podem ter seus erros, mas a igreja é santa", afirmou. Procurado pela Folha, disse que vendeu as rádios porque "só dão prejuízo" e por ter se cansado da política, e que sobrevive como vendedor de seguros e de perfumes.
O ex-deputado Carlos Rodrigues deixou de ser acionistas de três TVs -Record do Rio, Itajaí e Xanxerê (SC)- depois que se envolveu no escândalo do mensalão, mas ainda figura como sócio da Ediminas e também de quatro rádios.
Ele tem dado recados de que não pretende abrir mão das rádios. Procurado pela Folha, não quis dar entrevista.