Endereço disponibiliza nomes, fotos e endereços de condenados pela Justiça.
Para defensores de direitos civis, serviço de vigilância abre caminho para violência.
Em agosto de 2005, Steve Roddel decidiu tomar uma atitude. Após descobrir que quatro molestadores sexuais já condenados pela Justiça americana residiam em sua vizinhança, na cidade de Indianápolis – um deles a 200 metros da casa onde mora com a mulher, três filhos e um neto – esse analista de sistema usou seus 25 anos de experiência com programação para criar o Family Watchdog, website que rastreia os endereços de mais de 470 mil pessoas condenadas por ofensas sexuais de diversos graus nos EUA.
“Acredito que vivemos uma epidemia de ataques contra crianças”, declara Roddel. “Um de cada cinco meninas e um de cada seis meninos serão molestados antes de completarem 18 anos”, sustenta. Segundo ele, o que chamou sua atenção para o tema foi o rumoroso seqüestro, estupro e assassinato da garota Jessica Lunsford, de nove anos, alguns meses antes. Jessica foi morta por um molestador que já havia sido condenado, cumprido pena e libertado.
O sistema de busca do site permite localizar os molestadores por nome ou endereço (Foto: Reprodução)
A preocupação levou Roddel a uma maratona pelos arquivos policiais do estado de Indiana, até achar os dados sobre os agressores sexuais no seu bairro. “Foi um choque”, admite. “Achei que era necessário um serviço para levar esse tipo de informação mais rapidamente para que famílias como a minha possam se prevenir”.
Os números mostram que Roddel não está sozinho em sua preocupação. Em menos de três anos de existência, o Family Watchdog está – de acordo com dados apresentados pelos administradores do endereço – entre os 1.500 destinos mais procurados de toda a internet. O site teria recebido aproximadamente 70 milhões de acessos ao longo de 2007, com quase seis milhões de visitantes regulares.
Na área de estatísticas, é possível checar o número de rastreados em cada estado dos EUA (Foto: Reprodução)
O sucesso é tamanho que hoje Roddel não apenas trabalha em tempo integral no endereço como também precisou contratar um equipe de oito pessoas para dar conta da demanda por atualizações – mais de mil molestadores mudam seu endereço todos os dias nos EUA. O dinheiro vem de anúncios, patrocínio de empresas e doações de “pessoas preocupadas com a violência sexual contra menores”, nas palavras do criador do endereço.
Cada agressor sexual tem divulgada sua foto (aqui, distorcida), nome e endereço residencial e de trabalho (Foto: Reprodução)
Abrangência
Existem diversos outras páginas que rastreiam agressores sexuais, mas o Family Watchdog é o único que abrange todos os 50 estados dos EUA. Quem acessa o site tem acesso aos nomes, fotos, endereços de residência e trabalho dos molestadores – tudo de graça. Através de uma adaptação do sistema Google Maps, é possível localizar com precisão a localização de cada um dos 477.446 agressores cadastrados até a última sexta-feira (22) – o site é atualizado diariamente.
A arquitetura do endereço é sofisticada: com versões em inglês e espanhol, o Family Watchdog manda avisos para os usuários cadastrados cada vez que um molestador se muda perto de sua casa. Além disso, o site também pode ser acessado e visualizado por telefones celulares.
A proliferação de sites que rastreiam pessoas condenadas por ofensas sexuais nos EUA é resultado de uma série de leis que têm sido aprovadas no país no últimos anos.
Embora os detalhes mudem nas legislações aprovadas por cada estado, de modo geral essas leis exigem que os condenados se registrem em delegacias de polícia cada vez que se mudarem ou trocarem de trabalho. Em alguns casos – a Flórida é um exemplo – usam-se sistemas de GPS (localização por satélite) para manter o controle sobre a movimentação dos molestadores. É a partir desses registros policiais que sites como o Family Watchdog obtém sua matéria-prima.
Tanta vigilância tem despertado protestos de entidades que julgam que os direitos civis de pessoas que já cumpriram sua sentença – e, portanto, teoricamente pagaram seu débitos para com a sociedade – estão sendo quebrados.
Uma destas entidades é a National Association of Criminal Defence Lawyers (NACDL – Associação Nacional dos Advogados de Defesa Criminal, numa tradução livre). Por meio de seu porta-voz Jack King, a associação comunicou que “nos opomos ao serviço de rastreamento. Esse tipo de vigilância abre espaço para violência contra as pessoas condenadas por delitos sexuais”.
Outra crítica aos sistemas de rastreamento e às leis de registros é que eles, em geral, não fazem distinção entre os diversos graus de moléstia sexual. Assim, pessoas que foram condenadas a serviços comunitários por ofensas “menores” têm que submeter ao mesmo tratamento dado a estupradores e assassinos.
“A legislação que obriga o molestador a se registrar – caso seja mesmo empregada – deveria ao menos classificar os agressores sexuais com base no seu comportamento prévio. A obrigação de registro e os sistemas de vigilância deveriam ser restritos aos criminosos de alta periculosidade”, de acordo com a NACDL.
Muita gente não concorda com essa posição. Para Steve Roddel, o site não promove a perseguição aos condenados. “Da mesma forma que os agressores sexuais cometeram um crime, quem usar os dados do site para caçá-los também deverá ser punido. Somos contra o uso de violência contra quem quer que seja. Nosso objetivo é divulgar informações para que as famílias estejam alerta”, avisa.
Um testemunho anônimo, colocado na página inicial do site, sintetiza os pensamento dessa facção: “Não posso acreditar nos argumentos irresponsáveis de que os direitos desses condenados estão sendo violados. Com tantas crianças vulneráveis a assaltos sexuais, se preocupar com os direitos de estupradores é insanidade”.