O 1º filme feito para celular no Brasil

Ator Mateus Solano estréia no 1º filme feito para celular no Brasil

Monique Cardoso, Jornal do Brasil

RIO - Toca o celular de Mateus Solano durante a entrevista; ele atende ligeiro o aparelho, aparentemente sem perceber a ironia no gesto.

Afinal, um dos principais tópicos da conversa com o ato é sua participação em "Vida de balconista" – o primeiro longa-metragem brasileiro produzido especialmente para ser visto... em telefones celulares.

Muita gente tem ligado para Solano ultimamente. Aos 27 anos, o ator caiu nas graças do autor Manoel Carlos, que, depois de ver seu teste, desistiu de disputar espaço nas agendas concorridas de Rodrigo Santoro e Rodrigo Lombardi e indicou-o para interpretar o compositor Ronaldo Bôscoli em sua nova minissérie na emissora, "Maysa".

Cria do teatro carioca, Solano também está no elenco do novo filme de Walter Salles, "Linha de passe", premiado em Cannes. E, em outubro, volta ao cartaz com a peça 2 p/ viagem, em que divide a cena com Miguel Thiré.

– Muita gente vai pensar que surgi do nada, mas isso não aconteceu de repente. Sou essencialmente um homem de teatro – define-se Solano, que na Globo fez dezenas de discretas participações em novelas e especiais.

Até agora, o personagem mais importante havia sido o do médico Julio Soares, na minissérie JK.

Na última quinta-feira, o ator participou do lançamento em DVD da série Mateus, o balconista, veiculada nos celulares da operadora Oi, dirigida por Cavi Borges e Pedro Monteiro – e que integra o projeto Humanóides, da cineasta Rosane Svartman.

O seriado deu tão certo que ganhou uma segunda temporada, desta vez rodada em seqüência, o que possibilita ao usuário assistir a tudo de uma vez no formato de longa: "Vida de balconista".

A filmagem foi feita numa única madrugada, entre 22h e 11h30 do dia seguinte.

Nas duas produções, Solano é um jovem que trabalha numa locadora de vídeos e tem clientes nada comuns. Seu grande sonho é ser um diretor de cinema, como Quentin Tarantino, que também começou como balconista.

– Este tipo de produto ainda não foi explorado no Brasil, mas como trabalho de ator considero que foi excelente. O resultado é engraçado e o segundo ficou ainda melhor do que o primeiro. Nele tenho o recurso de olhar para a câmera, o que é delicioso, se bem usado.

Formado em artes cênicas na Uni-Rio, Solano também fez o inevitável caminho do Tablado e um estágio na prestigiada companhia francesa Theatre du Soleil, há seis anos.

Nos palcos de Rio e São Paulo já atuou em quase 30 peças. Só em 2006 foram seis – ao lado de gente como Jefferson Miranda, em O perfeito cozinheiro das almas desse mundo, e Daniela Pereira de Carvalho, em Não existem níveis seguros do consumo destas substância. Arrancou elogios de Wagner Moura, com quem trabalhou em JK.

A torcida para que conquistasse um papel de destaque na TV era grande entre os produtores de elenco da Globo. Foi Nelson Fonseca, conhecidíssimo por fuçar o meio teatral em busca de novos talentos, quem o convidou para o teste de Maysa.

– A tendência na TV é padronizar, tipificar o ator: esse é bom de comédia, o outro de drama. Não sei se a Globo não se interessou ou não conseguiu encontrar uma gaveta para mim. Apesar de pequenos, sempre me deram papéis muito diferentes. Os produtores cobravam dos diretores uma oportunidade para mim.

Lendo as memórias de Bôscoli

A responsabilidade de fazer um dos principais papéis da minissérie sendo um rosto pouco conhecido não pesa sobre os ombros do ator, contratado há 15 dias. Esta semana, já teve alguns ensaios com a protagonista, a igualmente anônima Larissa Maciel, e começa a fazer provas de figurino e maquiagem.

– É um produto tão caprichado que imagino que não precisará apelar para gente famosa para garantir audiência. Estão focando na qualidade.

Solano está lendo as memórias do compositor de O barquinho (ao lado de Roberto Menescal), que foi marido de Maysa e Elis Regina e namorou Nara Leão.

– Bôscoli era um cara que tirava o sapato no calçadão, segurava o paletó nas costas e ia caminhar na praia – descreve Solano.

– Não tinha dinheiro para nada, fazia gato no telefone dos vizinhos, pegava o leite e o jornal da porta dos outros. Está sendo muito divertido entrar no clima.

O envolvimento de Solano com o teatros vai além de sua atuação no palco. Já foi contra-regra, fez iluminação, cenário, figurino, som. Trabalhou também como uma espécie de faz-tudo em seu estágio no Theatre du Soleil. Até dormia na sede da companhia de Ariane Mnouchkine.

– Aprendi em três semanas o que levaria anos para aprender num curso comum.

Despretensioso, Solano, que namora a atriz Paula Braun (a garçonete de curvas generosas do filme O cheiro do ralo) não acredita que os nove capítulos da minissérie, que começa a ser gravada este mês e será exibida em janeiro, possam lhe render fama, tampouco espera garantias eternas de ótimos trabalhos.

– Não sei o que vou fazer nos próximos seis meses, mas aprendi a confiar no meu trabalho. O que me interessa como ator é tocar o espectador noutro lugar, fazer a pessoa reagir, voltar para casa pensando. O teatro é algo que está entre o ator e a platéia.