Todas são pedra e todas são vidraça na guerra travada pelas grandes cervejarias no balcão de reclamações do Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária).
Na troca de denúncias, fabricantes de marcas como Skol, Nova Schin e Kaiser se acusam por fazer campanhas "antiéticas" que incentivam o "consumo irresponsável" e "exagerado" de cerveja.
As queixas contradizem o Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja), que critica a restrição da publicidade do produto imposta pela Política Nacional sobre Bebidas Alcoólicas, lançada na quarta-feira pelo presidente Lula. O sindicato argumenta que a propaganda de cerveja só define o tamanho das fatias do mercado, sem aumentar o bolo, ou seja, a quantidade de litros vendidos.
A AmBev fez o maior número de denúncias no Conar contra as concorrentes nos últimos meses. Fabricante da Brahma --da campanha "Zeca-feira", que "cria" mais uma sexta-feira na quarta para "happy hour" com o produto--, a empresa considerou que uma peça de propaganda da marca Nova Schin "induz ao consumo abusivo de cerveja".
Suspenso após a denúncia da AmBev, o anúncio veiculado trazia a frase "Nova Schin --Os dermatologistas recomendam não tomar sol entre as 10h e as 16h [Não saia do bar. São ordens médicas]".
Em outra reclamação, a mesma AmBev disse que uma promoção da Kaiser ("Bote no cofrinho do Pânico") tinha "apelo ao consumo, uma vez que incentivava o público a tomar cerveja para juntar tampinhas e participar da promoção". A campanha foi feita em associação com o humorístico "Pânico na TV", exibido pela RedeTV.
Já a Kaiser denunciou a AmBev pela campanha do Boteco Bohemia, festival anual de gastronomia, com shows de música, que elege o melhor quitute de boteco da cidade, "por incentivar o consumo exagerado de bebidas".
Para o psiquiatra João Carlos Dias, do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria, "a briga mostra como as cervejarias estão erradas ao dizer que a publicidade aumenta a participação no mercado e não o volume consumido. Ao trocar essas acusações nos bastidores, elas acabam concordando com as nossas alegações de que a publicidade de cerveja tem grande impacto sobre o consumo".
Sérgio Ramos, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), também critica as empresas. "Todas as cervejarias têm razão nas denúncias: a propaganda incentiva o consumo abusivo", diz. "Não sei se as louraças que infestam as propagandas não conseguem excitar o público masculino, especialmente os adolescentes. Deixar o Conar, órgão de publicidade, tomando conta disso é deixar a raposa cuidando do galinheiro", afirma Ramos.
Gilberto Leifert, presidente do Conar, não quis comentar o assunto. A assessoria de imprensa do conselho diz apenas que a troca de acusações entre concorrentes faz parte da rotina do órgão e que são mais comuns, por exemplo, na área de telefonia do que na de bebidas alcoólicas.
Criado em 1980, o Conar é financiado pela contribuição de agências de publicidade, veículos de comunicação e anunciantes. O órgão julga denúncias oferecidas por cidadãos, empresas associadas ou por seus técnicos, que monitoram a adequação dos anúncios às regras do mercado.
Apelo sexual
A Schincariol, fabricante da Nova Schin --que exibe comerciais estrelados pela cantora Ivete Sangalo com as pernas de fora--, acusou a Skol (AmBev) por propaganda em que, segundo a queixa relatada pelo Conar, "insinua êxito sexual após o consumo de cerveja e contém elevado grau de erotismo". A peça em questão, intitulada "Bingo", é protagonizada por um grupo de idosos, que, com as latinhas de cerveja na mão, dançam e paqueram.
A Folha procurou as assessorias de imprensa da Kaiser, da AmBev e da Schincariol. Apenas a primeira respondeu. "Não existe troca de acusações, apenas pedidos de ajustes das peças publicitárias", diz a resposta da Kaiser.
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