Pobre paga para rico ir ao cinema

A frieza dos números pode nos enganar se alguém usá-los para o mal (os dados fornecidos por governos sobre políticas econômicas e sociais estão aí para não me deixar mentir), mas eles ainda nos oferecem subsídios para entender muita coisa.

Nesta semana, a Globo Filmes divulgou que o público do filme “Antônia” foi de pouco mais de 30 mil expectadores (30.314 para ser mais exato). Se levarmos em conta que o filme foi antecipado em programas semanais na Rede Globo, contou com publicidade em todos os jornais do País, e suas atrizes desfilaram por programas de TV da própria Globo, a indiscutível emissora mais poderosa do Brasil, o resultado é pífio.

A explicação poderia estar na qualidade do filme, que bambeia entre a linguagem da TV e do cinema sem se decidir por nenhuma delas, mas seria limitador falar isso. “Antônia” é uma obra digna da diretora Tata Amaral, e os temas discutidos na tela são mais que pertinentes no Brasil atual.

O insucesso de “Antônia” está em um sintoma que passou a fazer parte da estrutura social desde o chamado “renascimento do cinema nacional” nos anos 90. Pobre não vai ao cinema.

A película de Tata Amaral é a prova disso. Ninguém quis ver a história de quatro moças da periferia de São Paulo lutando contra todos os problemas conhecidos por quem vive lá: gravidez precoce, violência da polícia, do homem que elas amam, perdas, insistente esperança no futuro. O público de cinema brasileiro não reconhece esses problemas na tela.

A situação por si só já seria ruim, se não existissem as leis de incentivo ao cinema nacional que investem grandes quantias públicas para a produção de filmes. Como leis de incentivo não separam o dinheiro do rico do dinheiro do pobre, podemos dizer que atualmente, o pobre paga para rico ir ao cinema.

Leis de incentivo existem no mundo todo (principalmente em países europeus e na América Latina) e são importantes para fomentar a sétima arte no mundo. Aquela história de que um País sem cinema não tem documentos históricos reais é verdade. Mas essa dicotomia social precisa ser equacionada, porque não existe nada mais inútil que uma arte elitista.

Fonte: O Liberal