Jonas Valente – Carta Maior
BRASÍLIA – No dia 26 de abril, a Rede Globo, maior grupo de televisão do país, completou 42 anos de existência. Enquanto as emissoras afiliadas à rede exibiram vinhetas de auto-exaltação pelo papel prestado à sociedade brasileira, dois episódios com menos visibilidade que a programação da “vênus platinada” marcaram a história não oficial deste aniversário. Em Brasília, entidades ligadas à luta pela democratização da comunicação e movimentos sociais foram para frente do prédio onde funciona a emissora, no início de uma avenida movimentada da cidade, dialogar com a população que circulava no local sobre o significado da data. No Rio de Janeiro, uma interferência radiofônica colocou no ar, por cerca de quatro horas, a rádio “Globo e você, nada a ver”.
“Nesses 42 anos, a Rede Globo jamais se submeteu a qualquer avaliação da sociedade brasileira para saber se ela está usando esse bem como determina a Constituição e a favor do interesse público”, criticava documento distribuído pelas entidades em Brasília. O texto afirma que, durante este mesmo período, as organizações Globo só aumentaram seu poder e participação no sistema de mídia nacional. A partir desta influência, acrescenta, o comando da emissora desenvolveu estreitas relações com forças políticas conservadoras do país, cujos exemplos seriam a omissão da cobertura dos protestos pelas Diretas Já na década de 80 e a cobertura parcial das eleições presidenciais desde 1989 até 2006, marcada por uma linha editorial contrária ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
Na capital federal, enquanto os panfletos eram entregues às pessoas, faixas eram estendidas criticando a emissora e o oligopólio nos meios de comunicação. Do alto de um carro de som, falas críticas ao modelo nacional de rádio e TV de representantes das entidades se alternavam com performances também questionadoras de violeiros e rappers da cidade.
Segundo Bráulio Ribeiro, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a proposta do ato não foi fazer uma crítica isolada à Rede Globo, mas usar o grupo como símbolo de um cenário “antidemocrático” no qual poucas empresas falam para milhões e a diversidade de culturas, expressões e opiniões acaba não conseguindo ser refletida na mídia.
Mais do que uma rede de TV, a Globo é uma poderosa organização de mídia. Hoje possui jornais, 15 emissoras de rádio, uma editora com 11 títulos de revistas, um portal eletrônico e duas gravadoras (Som Livre e RGE). Na cabodifusão, o grupo detém empresas que produzem conteúdo (como os canais SporTV, GNT, Multishow e GloboNews) e que o distribuem (a operadora Net Brasil), além de participação acionária na empresa que controla toda a rede de cabos e infra-estrutura (Net Serviços). Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, as Organizações Globo, em 2005, foram a empresa com maior margem líquida de lucro do país: 92%. Além disso, em número absolutos, obtiveram o 5o maior lucro líquido entre todas as empresas brasileiras: R$ 1,99 bilhão.
"Todos sabem que, nesses 42 anos, a Globo tem atuado quase como um partido político, defendendo teses, candidatos e projetos que lhe interessam no Congresso. E faz tudo isso usando um bem público, que é o espectro radioelétrico. Mas, assim como qualquer emissora de rádio ou televisão, a Globo é uma concessionária de um bem público. Portanto, o interesse público é que deveria reger o uso desse bem", explica Ribeiro.
Na opinião de Rafael Villas Boas, um dos organizadores do ato e integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Globo cumpre um papel de reprodução de um projeto conservador para o Brasil. “Sua maior função é representar um país fictício que não condiz com um país real, reproduzir um universo de desejo e omitir as contradições reais”, afirmou. A presença dos movimentos sociais no ato, acrescentou, se deveu ao fato destes identificarem na emissora – e em suas afiliadas – a principal difusora de uma lógica preconceituosa contra qualquer iniciativa ou ato de organizações populares, sempre retratado como “baderna”.
O protesto em Brasília marcou o primeiro Dia de Luta Contra o Monopólio no DF. O objetivo das organizações é transformar o dia 26 de abril uma data fixa no calendário dos movimentos sociais na luta por uma outra comunicação, que atualmente tem seu ápice, todos os anos, no mês de outubro, durante a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação.
“Globo e você, nada a ver”
Com uma antena e um transmissor de 250 Watts, entidades que defendem o direito à comunicação realizaram uma interferência radiofônica e, às 16h30, fizeram a seguinte saudação para ouvintes da zona Sul e do Centro do Rio de Janeiro: "Boa tarde, você está na rádio 'Globo e você, nada a ver'".
Durante cerca de quatro horas, a “rádio” veiculou músicas livres do tradicional “jabá” cobrado nas emissoras comerciais e discussões sobre a concentração da mídia no Brasil. Foram entrevistadas pessoas que investigaram a história da Globo, como Romero Machado, autor do livro “Afundação Roberto Marinho” e Saturnino Braga, presidente da CPI que investigou a associação da Globo com o grupo norte-americano Time-Life, considerada ilegal.
Agencia Carta Maior
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