Caymmi morre aos 94 anos deixando rico legado à música

Músico foi autor de clássicos como "É doce morrer no mar" e "Maracangalha"
Zero Hora
Caymmi deixa clássicos à música popular brasileira - Banco de Dados

Caymmi deixa clássicos à música popular brasileira
Foto:Banco de Dados

Marcio Pinheiro | mar­cio.pi­nhei­ro@ze­ro­ho­ra.com.br

O cantor e compositor Dorival Caymmi morreu na manhã deste sábado no Rio de Janeiro, devido a uma falência múltipla dos órgãos. Doente desde 1997, Caymmi estava em internação domiciliar desde dezembro.


Aos 94 anos, ele deixa um enorme legado à música popular brasileira, repleto de clássicos, como É doce morrer no mar, Maracangalha e Modinha para Gabriela. Seu corpo será velado a partir das 15h deste sábado na Câmara dos Vereadores do Rio. O sepultamento está previsto para a tarde de domingo, no cemitério São João Batista, no bairro do Botafogo.

Quem foi Caymmi


Foi Chico Buarque quem — há mais de uma década — deu o melhor diagnóstico: "contra fel, moléstia, crime, use Dorival Caymmi". Mes­tre dos mes­tres, o lon­ge­vo Dorival Caym­mi co­me­mo­rou 90 anos em abril re­ce­ben­do ho­me­na­gens de to­das as latitu­des. To­dos re­co­nhe­ciam a am­pli­tu­de da obra — co­mo o mar que ele tão bem cantou — não pe­la ex­ten­são, mas prin­ci­pal­men­te pe­la con­sis­tên­cia e pe­la pe­re­ni­da­de


Caym­mi foi quem deu ré­gua e com­pas­so pa­ra to­das as ge­ra­ções pos­te­rio­res. Antecipou a bos­sa no­va de Tom Jo­bim, João Gil­ber­to e do con­tem­po­râ­neo Vi­ni­cius de Mo­raes, foi tro­pi­ca­lis­ta mui­to an­tes de qual­quer de­fi­ni­ção lan­ça­da por Cae­ta­no Ve­lo­so e Gil­ber­to Gil, e apro­xi­mou o sam­ba baia­no (mais do­len­te e ca­den­cia­do) do seu si­mi­lar ca­rio­ca (mais rít­mi­co e per­cus­si­vo). Sua in­ter­pre­ta­ção im­preg­na­da de bra­si­li­da­de ser­viu de pas­sa­por­te pa­ra Car­men Mi­ran­da en­trar nos Es­ta­dos Uni­dos e con­quis­tar o pú­bli­co ame­ri­ca­no en­si­nan­do o que é que a baia­na ti­nha.


Nas­ci­do em Sal­va­dor, em 30 de abril de 1914, fi­lho de Dur­val Hen­ri­que Caym­mi e Aurelina Cân­di­da Caym­mi, Caym­mi in­ter­rom­peu os es­tu­dos aos 16 anos, in­do tra­ba­lhar no jor­nal O Im­par­cial. Quan­do o jor­nal fe­chou, já ar­ris­ca­va al­gu­mas com­po­si­ções e se apre­sen­ta­va na Rá­dio Clu­be da Ba­hia. Em 1936, ven­ceu o con­cur­so de mú­si­cas pa­ra o car­na­val, com A Ba­hia Tam­bém Dá e, dois anos de­pois - sem es­cu­tar o que ma­mãe dizia —, de­ci­diu se mu­dar pa­ra o Rio, on­de che­gou de na­vio (um dos "Itas"). Em 1940, ca­sou-se com Ade­lai­de Tos­tes, a can­to­ra Stel­la Ma­ris, que co­nhe­ceu num pro­gra­ma de ca­lou­ros na Rá­dio Na­cio­nal. Ti­ve­ram três fi­lhos Di­nair (Na­na - 1941), Do­ri­val (Do­ri - 1943) e Da­ni­lo Cân­di­do (1948).


Apre­sen­ta­do por Al­mi­ran­te e Ataul­fo Al­ves, lan­çou com Car­men Mi­ran­da seu pri­mei­ro su­ces­so, O Que É Que a Baia­na Tem?. Em se­tem­bro do mes­mo ano, re­pe­tiu a do­se com Rai­nha do Mar e Pro­mes­sa de Pes­ca­dor, pas­san­do a atuar co­mo con­tra­ta­do da Rá­dio Na­cio­nal. Com­po­ria lo­go a se­guir ou­tros dois clás­si­cos: O Mar e O Sam­ba da Minha Ter­ra. Em 1941, foi a vez de É Do­ce Mor­rer no Mar, em par­ce­ria com Jor­ge Amado, a par­tir dos ver­sos do ro­man­ce Mar Mor­to. Des­sa épo­ca são ain­da as mú­si­cas Vo­cê já foi à Ba­hia?, Va­ta­pá e Ro­sa Mo­re­na. Seus su­ces­sos con­ti­nua­ram se acu­mu­lan­do nos anos 40: Do­ra, Ma­ri­na e Sá­ba­do em Co­pa­ca­ba­na.


Em 1957, gra­vou Sau­da­des da Ba­hia, por su­ges­tão de Aloí­sio de Oli­vei­ra. O dis­co ba­teu re­cor­des de ven­da­gem e fez com que Caym­mi se apro­xi­mas­se da bos­sa no­va. Em 1964, apre­sen­tou-se com Vi­ní­cius de Mo­rais, além de ter si­do gra­va­do por Tom e João Gil­ber­to. En­trou nos anos 70 re­to­man­do a par­ce­ria com Jor­ge Ama­do em Mo­di­nha pa­ra Ga­brie­la, na no­ve­la Ga­brie­la.


Pas­sou as úl­ti­mas três dé­ca­das com­pon­do de ma­nei­ra ca­da vez mais sa­zo­nal. Já era uma en­ti­da­de, me­re­ce­dor de to­das as ho­me­na­gens e ad­mi­ra­do por fãs de vá­rias gerações. Du­ran­te es­se pe­río­do, ex­cur­sio­nou pe­la Eu­ro­pa, se apre­sen­tou em shows coletivos e par­ti­ci­pou de tur­nês ao la­do dos fi­lhos.


As ho­me­na­gens se am­plia­ram em 2004, com as co­me­mo­ra­ções do 90º ani­ver­sá­rio, ressal­tan­do o ta­len­to de um ar­tis­ta que, por com­preen­der as pe­cu­lia­ri­da­des do sam­ba, sou­be co­mo ti­rá-lo do re­gio­nal e so­fis­ti­cá-lo. E aí a so­fis­ti­ca­ção não era apa­ren­te, ficando às ve­zes até im­per­cep­tí­vel, fa­zen­do de Caym­mi um au­tor úni­co, que con­se­guia criar uma obra que apro­xi­ma­va a tra­di­ção da mo­der­ni­da­de — e era in­fen­sa a qual­quer modis­mo.