O preconceito contra Kaká

RODRIGO BUENO

O preconceito contra Kaká

Melhor do mundo sofre dura marcação desde o início por nunca ter sido pobre, feio e politicamente incorreto

NADA COMO ser melhor do mundo em sua área, mesmo que só por uma temporada. Nada como ser melhor do mundo contra prognósticos e preconceitos.
Desde a base do São Paulo, Kaká passa por provações raras no Brasil.
Branquinho, bonitinho, filhinho de papai de classe média, sócio de clube bacana... Para ascender em peladas e peneiras, ainda hoje, tudo isso costuma jogar contra. Funciona ao contrário do mercado comum, que abriga naturalmente playboys e ""novos ricos", uns cuidando dos negócios do pai, outros ganhando cargos porque a família é bem relacionada, a maior parte simplesmente ascendendo por ter condições melhores para estudar que os integrantes da classe mais baixa. É outra luta...
No país dos Ronaldinhos, o novo melhor do mundo parece europeu, o que parece não agradar a alguns conterrâneos. Sinto ainda um tipo de barreira entre Kaká e sua condição de melhor aqui (veio à minha cabeça o filme ""Homens Brancos Não Sabem Enterrar" e a gozação de Maradona a Beckham: ""Como alguém com aquela carinha pode ser craque?"). As apostas para melhor do planeta no país sempre eram muito mais para Robinho do que para Kaká. ""Esse é o futebol brasileiro", já ouvi várias vezes sobre o craque do Real Madrid e raras vezes ouvi o mesmo sobre o maior astro do Milan. Citadini, corintiano inteligente e desbocado, falava com convicção que Gil, hoje no Inter, era melhor que Kaká. Não é só questão de clubismo, de estereotipá-lo como ""ícone bambi". Muito são-paulino vaiou o ""pipoqueiro" Kaká, em parte creio porque ele não se encaixa no perfil nacional de boleiro, como o ""maloqueiro" Luis Fabiano, nem faz cara de mau, como o loirinho Lugano.
O politicamente correto é a opção que Kaká escolheu. Não tem vergonha de ser bonzinho. Fiel aos seus princípios, decidiu casar virgem, orgulha-se disso. E é sacaneado por isso. No país com maior número de católicos e no país onde está inserido o Vaticano, veste a camisa de outra igreja. E é execrado por isso. Virou um ídolo às avessas para muitos.
Não vou aqui excomungar os que abominam a figura do Kaká, os que o vêem como uma ""Sandy de chuteiras", mas às vezes o que leio sobre ele é tão preconceituoso quanto babaca. Vejo loirinho burguês metido a mano, cuja família tem casa na praia e cuja fantasia de torcedor organizado beira o ridículo, tratando Kaká como uma espécie de aberração da bola, para atacá-lo e se ""achar" assim um cara mais do povo (Freud explica). É o cara que ""manja" de futebol, mas vê Kaká só como um atleta obstinado que faz sempre as coisinhas certas. Não pode ser genial porque não chifra a mina grávida, não enche a cara na balada, dorme cedo etc.
Quem diz não se importar com o que Romário, o primeiro melhor do mundo brasileiro, faz fora de campo deveria também não se importar com o que Kaká faz fora do futebol.
Ou não? Bom, cada um é cada um.