SP: 'tribunal' do PCC julgaria até briga de vizinho
Integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) são acusados de formar grupos com ramificações dentro das prisões e nas ruas da cidade de Cajuru, que tem cerca de 22,6 mil habitantes e fica na região de Ribeirão Preto. Improvisando uma espécie de "tribunal", de dentro da prisão, os criminosos contabilizariam o acerto do tráfico de drogas, a organização de assaltos, atualizariam o cadastro dos membros da quadrilha e emitiriam decisões até envolvendo brigas de vizinhos.
O delegado Paulo Piçarro, de Cajuru, afirmou que foram analisadas mais de 19 mil gravações de vários integrantes da quadrilha até terminar com a identificação de 21 pessoas. Em março, durante a Operação Boca da Mata, os envolvidos foram detidos e alguns, indiciados. Os detalhes não foram divulgados à época porque o caso está sob segredo de Justiça.
"Tínhamos a denúncia de que integrantes do PCC estavam agindo aqui em Cajuru e, depois de conseguir grampear os telefones com autorização da Justiça, ainda fizemos uma série de investigações em campo", explicou o delegado.
O preso Fernando Aparecido de Oliveira Moura, o Fantasma, 28 anos, que cumpre pena por tráfico na Penitenciária de Álvaro de Carvalho, seria o chefe da facção na região. Ele teria o poder de mandar matar e dar surras.
Em uma das ligações analisadas pela polícia, o suposto comparsa de Fantasma, Edmar Caetano da Paixão, o Fininho, 27 anos, pediria autorização para "tirar a vida" do vizinho que o teria ofendido. No "Tribunal do PCC", o chefe teria autorizado ele a buscar uma arma e completar o serviço.
No entanto, segundo o delegado, Fininho pretendia esperar o "melhor momento" para não chamar a atenção. Ele teria sido preso antes de matar o vizinho. Para Piçarro, as escutas deixaram claro que o PCC pretendia tomar o poder de polícia dentro do município. Um casal teria sido sentenciado à morte por ter roubado a casa de dois idosos.
Além disso, os integrantes buscariam a simpatia da população. Em um contato, por exemplo, um homem identificado como Silvão, que teria problemas mentais e andaria nu na cidade, seria julgado. Conforme a gravação, Fininho chamaria o rapaz para uma conversa, mas, ao mesmo tempo, manteria o celular ligado para que Fantasma ouvisse a sentença.
"Cola aí, malandro", disse Fininho para Silvão. Esse, por sua vez, teria pedido desculpas e ouvido de Fantasma pelo telefone: "Vou arrancar a sua pele". Seria possível ouvir Silvão implorando: "Ave Maria, mano, Ave Maria, Ave Maria...". Fantasma teria decidido que Silvão não seria louco. A partir daí, ele teria levado socos, chutes e o ato terminaria com uma paulada na cabeça.
Para o delegado responsável pelo caso, essa decisão foi um pedido de um morador feito ao PCC que estaria irritado com o vizinho andando nu pela rua. O "réu" não morreu, mas sumiu da cidade. Em outra fase da escuta, a suposta traficante Marli Aparecida Barbosa, a Morena, 44 anos, reclamaria a Fantasma da atuação de policiais militares próximos a sua "boca" (ponto de venda de drogas). O preso teria aceitado a denúncia porque teria afetado os negócios da facção.
Segundo a Polícia Civil, Fantasma teria prometido cuidar do caso, o que significaria encomendar a morte de um PM. Por questões de segurança, o nome do militar não foi divulgado.
A investigação ainda descobriu negócios dos membros da quadrilha com colegas na rua e dentro de outras prisões, como a Penitenciária de Ribeirão Preto. Em uma das conversas, de acordo com a polícia, em uma conferência por celular, os integrantes do PCC teriam atualizado o cadastro dos membros da região.
Segundo a polícia, todos os nomes estão sendo investigados e alguns foram presos. Entre eles um adolescente, apreendido com uma rifa do PCC em casa. Os criminosos cobrariam R$ 15 pelo número e sorteavam um carro.